sábado, 12 de dezembro de 2009

Quero fazer os poemas das coisas materiais,



pois imagino que esses hão de ser


os poemas mais espirituais.


E farei os poemas do meu corpo


E do que há de mortal.


Pois acredito que eles me trarão


Os poemas da alma e da imortalidade."


E à raça humana eu digo:


-Não seja curiosa a respeito de Deus,


pois eu sou curioso sobre todas as coisas


e não sou curioso a respeito de Deus.


Não há palavra capaz de dizer


Quanto eu me sinto em paz


Perante Deus e a morte.


Escuto e vejo Deus em todos os objetos,


Embora de Deus mesmo eu não entenda


Nem um pouquinho...


Ora, quem acha que um milagre alguma coisa demais?


Por mim, de nada sei que não sejam milagres...


Cada momento de luz ou de treva


É para mim um milagre,


Milagre cada polegada cúbica de espaço,


Cada metro quadrado de superfície


Da terra está cheio de milagres


E cada pedaço do seu interior


Está apinhado de milagres.


O mar é para mim um milagre sem fim:


Os peixes nadando, as pedras,


O movimento das ondas,


Os navios que vão com homens dentro


- existirão milagres mais estranhos?" (Walt Whitmann

Um comentário:

  1. AMAR
    Que pode uma criatura senão,
    entre criaturas, amar?
    amar e esquecer, amar e malamar,
    amar, desamar, amar?
    sempre, e até de olhos vidrados, amar?

    Que pode, pergunto, o ser amoroso,
    sozinho, em rotação universal,
    senão rodar também, e amar?
    amar o que o mar traz à praia,
    o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
    é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

    Amar solenemente as palmas do deserto,
    o que é entrega ou adoração expectante,
    e amar o inóspito, o cru,
    um vaso sem flor, um chão de ferro,
    e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
    uma ave de rapina.

    Este o nosso destino: amor sem conta,
    distribuido pelas coisas pérfidas ou nulas,
    doação ilimitada a uma completa ingratidão,
    e na concha vazia do amor a procura medrosa,
    paciente, de mais e mais amor.

    Amar a nossa falta mesma de amor,
    e na secura nossa amar a água implícita,
    e o beijo tácito, e a sede infinita


    Carlos Drummond de Andrade

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